(Foto: Marcelo Casal Jr/Agência Brasil)
Texto que define o conteúdo a ser lecionado em sala de aula entra em sua etapa final de elaboração
O
MEC (Ministério da Educação) entregou na quinta-feira (6) a terceira
versão da Base Nacional Curricular Comum para o Conselho Nacional de
Educação. Trata-se da etapa final da elaboração do documento,
responsável por definir conteúdos e habilidades a serem desenvolvidos na
educação infantil e no ensino fundamental das escolas públicas e
privadas do país.
A entrega do
material e sua consequente divulgação não ficou livre de polêmicas.
Entidades ligadas à educação e especialistas da área criticam a forma de
construção do texto e a retirada, de última hora, de referências à
orientação sexual e à temática de gênero.
A
base começou a ser discutida em 2013 e ganhou fôlego com a aprovação do
Plano Nacional de Educação, que exigia a construção de um documento
orientando professores sobre o que deve ser ensinado em sala de aula.
Desde então, passou por um longo e complexo processo de construção, que
contou com consultas públicas on-line, seminários e muita discordância
sobre seu teor.
Essa é a primeira vez
que o Brasil terá uma base curricular. Até então, o conteúdo ensinado
em sala de aula era definido pelas escolas e professores a partir de
diretrizes gerais dadas pelo MEC, pelas redes estaduais e municipais de
ensino.
O que é a Base Nacional Curricular Comum
A
base deve estabelecer o conteúdo mínimo a ser lecionado em sala de aula
de todas as escolas do Brasil, públicas e privadas, além de habilidades
a serem desenvolvidas pelos alunos. Ela não estabelece disciplinas
fechadas, mas sim, quatro áreas do conhecimento: matemática, ciências da
natureza, linguagens e ciências humanas.
A
princípio, ela abarca todo o ensino básico: da educação infantil ao
final do ensino médio. No entanto, com a reforma do ensino médio
aprovada pelo governo Michel Temer em fevereiro de 2017, a parte da base
dedicada à última etapa do ensino básico será apresentada
posteriormente.
Conteúdos que constam
da base curricular dizem respeito ao que deve ser ensinado em cada
disciplina. Por exemplo, espera-se que os alunos de história do sétimo
ano aprendam sobre a emergência do capitalismo.
Habilidades,
por sua vez, dizem respeito a competências intelectuais esperadas dos
estudantes em cada etapa do ensino, tais quais exercitar a curiosidade
intelectual, valorizar a diversidade de saberes e usar tecnologias
digitais de forma crítica. Ao todo, são dez competências.
A
base não determina como o conteúdo deve ser ensinado e como as
habilidades devem ser abarcadas. Fica à cargo das redes de ensino, das
escolas e dos professores avaliarem e adotarem o que considerarem as
melhores estratégias para tanto.
Por que a base é importante
Documentos
do gênero existem em sistemas educacionais de diversos países, tais
como os Estados Unidos e a Finlândia - país conhecido por seus bons
resultados educacionais e estratégias de ensino pouco convencionais.
Um
currículo nacional comum definido pelo governo é importante por
diversos motivos. O primeiro deles, ajudar o trabalho dos professores,
que têm orientações básicas para montarem suas aulas.
Além
disso, por tornar obrigatório o ensino de certos conhecimentos em todas
as escolas do país, a base curricular tem o potencial de diminuir
desigualdades de aprendizado, já que todos os alunos devem ter acesso às
mesmas informações. O fato de objetivos serem mais claros também ajuda a
avaliar a progressão dos alunos nas etapas da aprendizagem.
Isso
é ainda mais impactante no caso da educação infantil, etapa do ensino
em que não existem avaliações, mas isso não significa que o
desenvolvimento da criança não deva ser acompanhado.
O
texto divide a educação infantil por faixa etária e estabelece seis
“direitos de aprendizagem”. Entre eles, “conviver com outras crianças e
adultos, em pequenos e grandes grupos, utilizando diferentes linguagens"
e "explorar movimentos, gestos, sons, formas, texturas, cores,
palavras, emoções".
Mudanças em relação às versões anteriores
Alfabetização mais cedo
A
última versão do texto determina que todas as crianças devem estar
plenamente alfabetizadas até o término do 2º ano do ensino fundamental,
quando os alunos têm 7 anos de idade. As versões anteriores, falavam em
3º ano.
Língua Inglesa
A
base define a língua inglesa como idioma estrangeiro a ser ensinado
obrigatoriamente. Nos textos anteriores, o ensino da língua estrangeira
era necessário, mas o idioma não era especificado.
Ensino Religioso
Presente
em versões anteriores do texto, o ensino religioso foi excluído do
último documento. Ele pode ser oferecido pelas escolas, no entanto, como
disciplina optativa. Segundo o MEC, essa é uma questão que fica a cargo
das redes de ensino. A Constituição de 1988 define que o tema é
facultativo.
Orientação Sexual e Questão de Gênero
O
MEC alterou o texto da base de última hora, retirando menções feitas a
“identidade de gênero” e “orientação sexual”. Segundo o jornal “Folha de S.Paulo”,
as alterações foram feitas após o presidente Michel Temer receber
deputados da Frente Parlamentar Evangélica no Palácio do Planalto.
Hístoria Cronológica
Versões
anteriores do texto foram criticadas por apresentarem o conteúdo de
história de forma “temática”, mas que era considerada confusa. Nesta, o
conteúdo passa a ser apresentado de forma cronológica.
Aulas de Estatística
Aumentou
o conteúdo de probabilidade e estatística - e eles passam a ser
ensinados no 1º ano do ensino fundamental. A matemática passa a ter mais
foco na resolução de problemas do que em técnicas.
O caminho da Base Nacional Comum
Uma base nacional comum já era prevista em importantes documentos da educação nacional. Ela começou a ser discutida mais seriamente, no entanto, em 2013. No ano seguinte, a Lei nº 13.005/201410 promulgou o PNE (Plano Nacional de Educação), que determina diretrizes, metas e estratégias para a política educacional dos próximos dez anos. O PNE reiterou a necessidade de se criar diretrizes pedagógicas para a educação básica e a base nacional comum dos currículos.
Uma base nacional comum já era prevista em importantes documentos da educação nacional. Ela começou a ser discutida mais seriamente, no entanto, em 2013. No ano seguinte, a Lei nº 13.005/201410 promulgou o PNE (Plano Nacional de Educação), que determina diretrizes, metas e estratégias para a política educacional dos próximos dez anos. O PNE reiterou a necessidade de se criar diretrizes pedagógicas para a educação básica e a base nacional comum dos currículos.
Entre
setembro de 2015 e março de 2016, a primeira versão do documento passou
por uma consulta pública on-line. Na ocasião, foram mais de 12 milhões
de contribuições realizadas por agentes interessados, como pais, alunos e
professores.
A partir de maio de
2016, a segunda versão, resultada dessa consulta, foi analisada em
grandes seminários estaduais, que reuniam alunos, professores e
gestores. Esses seminários foram organizados pela Undime (União dos
Dirigentes Municipais de Educação) e pelo Consed (Conselho Nacional de
Secretários de Educação). Mais de 9.000 recomendações foram
sistematizadas nessa etapa.
A partir
dessas contribuições, a terceira e última versão do texto foi
sistematizada pelo Ministério da Educação, com a ajuda de especialistas
nacionais e internacionais. Nesta quinta-feira (6), foi entregue ao CNE
(Conselho Nacional de Educação) - órgão de assessoramento da pasta, que
tem por função formular e avaliar a política nacional de educação e
zelar pelo cumprimento da legislação.
Cabe
ao conselho, agora, avaliar o documento, realizar as alterações que
julgar pertinente e encaminhá-lo para homologação do ministro da
Educação, Mendonça Filho. A expectativa é que isso aconteça no segundo
semestre de 2017, após realização de algumas audiências públicas.
Na
sequência, terá início a fase de implementação da base. Isso envolve a
adequação dos currículos das redes e dos projetos políticos pedagógicos
das escolas, a formação continuada dos professores e a adequação dos
materiais didáticos. Segundo o Ministério da Educação, esse processo
deve levar ao menos dois anos.
Entre
os grandes desafios nessa etapa, está a realidade das escolas públicas
brasileiras. Muitas delas não têm sequer a infraestrutura necessária
para desenvolver alguns dos princípios postos no texto.
Segundo disse ao jornal “Folha de S.Paulo”
a secretária-executiva do ministério, Maria Helena Guimarães de Castro,
o governo prepara um modelo de formação continuada para preparar os
professores. Avaliações unificadas nacionais, como o Saeb (Sistema de
Avaliação da Educação Básica) e o Enem, também devem passar por
alterações.
O que acontece com o ensino médio
O
ensino médio era contemplado nas duas primeiras versões da base
curricular. Em setembro de 2016, porém, o presidente Michel Temer
publicou uma Medida Provisória estabelecendo uma ampla e polêmica reforma nessa etapa do aprendizado antes do ensino superior.
Sancionada
em fevereiro de 2017, a reforma prevê o fim da obrigatoriedade de uma
série de disciplinas a partir de determinado ano e cria itinerários
formativos, entre as quais os alunos podem escolher. São eles
linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e
formação técnica e profissional.
Segundo
a reforma, a Base Nacional Curricular Comum ocupará 60% da carga
horária dos estudantes - 1.800 horas quando o ensino integral for
implementado. O restante do tempo será preenchido por esses itinerários
formativos.
Dada a complexidade da
mudança e as fortes críticas recebidas à lei, a parte da Base Curricular
dedicada ao ensino médio - e que completará os espaços deixados em
branco pela reforma - será apresentada depois. A expectativa é que o MEC
encaminhe o texto para o CNE até o final do ano.
O que dizem especialistas e agentes envolvidos no processo
A terceira versão da Base Curricular é muito mais enxuta que as anteriores - a segunda tinha 652 páginas; esta, 396.
Para
Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à
Educação, isso demonstra insegurança e insuficiência por parte do
governo. Ele considera as versões anteriores mais “ousadas” e espera que
o Conselho Nacional de Educação convoque a comunidade educacional, em
especial os formadores de professores, para realizar acertos que deixem
claro um “projeto de sociedade”.
Coordenador
de gestão pedagógica na Secretaria da Educação do Ceará, o professor de
sociologia Rogers Mendes concorda que os agentes interessados, como
estudantes e professores, precisam se reconhecer na base. Para ele, o
maior problema deste texto não é o que está lá, mas o que não está.
Diretora
de projetos da Fundação Lemann e integrante do Movimento pela Base
Nacional Curricular Comum, Camila Pereira discorda. Para ela, o texto
final mostra um esforço de concisão, clareza e objetividade positivos e o
processo de construção, satisfatório.
Pereira
destaca as competências e habilidades a se desenvolver ao longo da vida
escolar como o ponto forte dessa versão. “Isso não estava presente
claramente nas versões anteriores. Achávamos muito importante respeitar
esse princípio. Você não quer só elencar uma lista de conhecimentos que
alunos precisam saber, mas também olhar o que é necessário ao final da
escolarização para ele ser capaz de realizar seu projeto de vida, ser
cidadão crítico, consciente e produtivo.”
Na
cerimônia de entrega, estavam presentes o atual ministro Mendonça Filho
e nomes que fizeram parte de gestões anteriores do MEC, como Henrique
Paim (ministro da pasta em 2014 e 2015), Luiz Cláudio Costa
(secretário-executivo até maio de 2016) e Manuel Palácios (secretário de
educação básica). “Onde nesse Brasil polarizado temos grupos de
posições diferentes, sentados na mesma mesa, apresentando uma política
de Estado? Acho isso muito simbólico sobre o movimento de construção da
base”, diz Pereira.
Fonte: Nexo Jornal